domingo, 18 de julho de 2010

Lei da palmada causa polêmica

Reportagem extraída do O Tempo online em 18/07/2010.

A polêmica surgiu já na divulgação da notícia. Na quarta-feira, ao anunciar um projeto de lei que proíbe a palmada em crianças, o presidente Lula confessou que, apesar de nunca ter batido nos filhos ou apanhado dos pais, sabe que "beliscão é uma coisa de que dói para cacete".
Pois se o próprio presidente da República levou lá seus beliscões quando menino e relativiza a definição de "castigo corporal" tipificado no projeto como violação dos direitos na infância e na adolescência, nas ruas as opiniões também são variadas e, por vezes, contraditórias. Apesar do consenso de que surrar uma criança é errado, nem todos são tão convictos quando o assunto é uma "palmadinha".
E a lei proposta já assusta alguns pais, preocupados com uma possível ingerência do Estado na maneira como eles cuidam dos filhos. "Sou contra essa lei. Quando há uma desobediência muito grande, não há mal em dar uma palmadinha. Eu mesmo levei várias na infância e isso não me atrapalhou em nada", diz a comerciante Leliane Pinto, 35, mãe de Diogo, 3, e Camila, 2.
Opinião diferente tem Francisco Vieira, 33. "A palmada funcionou comigo, pois eu era muito ‘arteiro’. Mas não aconselho porque isso marca. Ficou na minha cabeça por muitos anos", diz o gráfico, que não pretende repetir a experiência com a filha Luisa, 2. "Há alternativas, outros castigos".
É também o que diz a chefe de cozinha Elizabeth Lima, 52. "Criei três filhos sem dar palmadas e sou radicalmente contra esse tipo de agressão", diz a avó de Pedro, 1. "E meu neto também não vai apanhar", afirma.
O debate despertou a atenção de especialistas e também entre estes não é consenso. Autora de "Limites - Entre o Prazer de Dizer Sim e o Dever de Dizer Não", a psiquiatra Nina Rosa Furtado diz que os pais e educadores hoje estão com "dificuldades" para dizer não às crianças.
"Pode acontecer de um vez ou outra perder o controle e dar uma palmada no menino, mas o castigo físico não ensina nada, a não ser mais malcriação e vontade de agredir", diz a escritora, que aprova a iniciativa do presidente. "É importante que esse assunto seja trazido à baila, não para assustar os pais que eventualmente dão uma palmadinha, mas para coibir exageros de crianças que são surradas".
Já o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não condena a palmada, desde que ela seja de intensidade moderada: "É dever da família e da sociedade proteger as crianças. Se uma criança se coloca em perigo, alguma punição é necessária. A palavra-chave aqui é o abuso e não o uso do castigo físico. Entre a severidade e a permissividade, prefiro ficar com a severidade".

A favor da lei
Para a criança, ser agredida significa que perdeu os direitos

"De tempos em tempos, o assunto aparece na mídia: as palmadas educam realmente? Minha posição é clara: a única coisa que as palmadas ensinam é que os adultos se julgam no direito de acabar com o diálogo a qualquer momento. Usando o poder e a óbvia superioridade física para estabelecer um ponto de vista, os pais estão mostrando que acham mais fácil o tapa do que o diálogo e que preferem a chinelada à conversa. Agindo assim, mostram claramente que desistiram de se esforçar como educadores e optaram pelo caminho mais fácil: o papel de adestradores, usando os mesmos métodos aplicados para treinar animais de circo.
Para uma criança, ser agredida pelos pais significa que perdeu todos os direitos, pois a mensagem é clara: os adultos julgam ter o inquestionável direito de abandonar quando querem qualquer noção de respeito e bom senso para impor à força o que estão chamando de educação. O tempo vai se encarregar de mostrar que, muitas vezes, é preferível o bom senso sem educação do que educação sem bom senso".

Contra a nova lei
Remando contra a correnteza e a favor do Estatuto da Criança

Lutar e trabalhar pelas crianças e adolescentes é promover e defender os seus direitos. A defesa consiste em "colocá-los a salvo de toda forma, negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão" (art. 227 da Constituição Federal de 1988). Isso significa a proibição do abuso e não do uso de "adoção de castigos moderados", como propõe o projeto de lei 2.654/2003 da deputada Maria do Rosário.
A chamada "Lei da Palmada" vem jogar luzes sobre um tema muito pouco frequente no debate psicoeducacional brasileiro: a questão da punição. No entanto, pergunto: como impor limites sem empregar alguma forma de castigo ou punição, palavras de notória incorreção política?
Não pretendo fazer apologia do emprego moderado do uso da força. Reconheço apenas que o ferramental teórico-prático que a pedagogia e a psicologia nos disponibilizam na presente fase do processo civilizatório não nos permite descartar o uso desse tipo de abordagem de forma cabal e definitiva.

Minientrevista
"A lei tem sentido preventivo"
Tânia da Silva Pereira advogada especialista em direito da família e da criança

Se aprovada, a lei antipalmada vai acabar mesmo com o castigo físico? Essa lei age no âmbito familiar e tem sentido sobretudo preventivo. Hoje, se uma criança aparece machucada na aula, a escola tem a obrigação de denunciar o caso ao Conselho Tutelar. A nova lei vai autorizar qualquer pessoa a fazer a denúncia. Agora, os pais vão ter mais cuidado ao praticar violência porque está expressamente prevista a responsabilidade deles.
Isso não será uma invasão à privacidade do lar prevista no Código Civil? Teremos de fazer nova leitura do artigo 1.513. A privacidade do lar tem de ser respeitada, desde que as pessoa que compõem aquela família se respeitem também. Mas, havendo violência, o Estado, através dos órgãos competentes, pode interferir, sim.

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