Especial: Descoberta da AIDS completa 30 anos
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(Imagem: Reprodução) |
Em junho de 1981, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos registrou os primeiros casos de uma enfermidade considerada à época um mistério. Um ano depois, ela recebe o nome provisório de Doença dos 5 H, em razão de casos registrados em homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e prostitutas (hookers em inglês).
No mesmo ano, autoridades sanitárias detectam a possibilidade de transmissão pelo ato sexual, pelo uso de drogas injetáveis e pela exposição a sangue e derivados. No Brasil, o primeiro caso é diagnosticado em São Paulo. A doença recebe o nome definitivo de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida, em espanhol, ou aids, na sigla em inglês).
Em 1984, a equipe do virologista francês Luc Montagnier isola e caracteriza um retrovírus (tipo de vírus mutante que se transforma de acordo com o meio em que vive) como o causador da doença. Especialistas concluem que a aids representa a fase final de uma doença provocada pelo HIV.
Três anos depois, o coquetel de medicamentos AZT é a primeira droga a reduzir a multiplicação do vírus no organismo humano. Ainda em 1987, a Assembleia Mundial de Saúde anuncia a data de 1º de dezembro como o Dia Mundial de Luta contra a Aids.
Os casos registrados no Brasil totalizam 2.775 no período, seguidos por 4.535 em 1988 e por 6.295 no ano seguinte. Em 1990, morre o cantor e compositor Cazuza, vítima da doença. Apenas em 1991 é iniciado o processo de aquisição e distribuição gratuita de antirretrovirais. Dez anos após a descoberta da aids, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já registra 10 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo.
Em 1992, uma pesquisa aponta as doenças sexualmente transmissíveis (DST) como cofatores na transmissão do HIV, podendo aumentar o risco de contágio em até 18 vezes. O Ministério da Saúde inclui os procedimentos para o tratamento da aids na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e, no ano seguinte, o Brasil passa a produzir o AZT.
O sociólogo Herbert de Souza, conhecido como Betinho, morre em 1997, após ser contaminado pela doença por meio de transfusão de sangue. Ao todo, 17 milhões de pessoas já haviam morrido apenas no Continente Africano em razão do HIV – e 8,8% da população adulta na região está contaminada.
No ano seguinte, um relatório realizado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids (Unaids) afirma que a doença deve matar 70 milhões de pessoas nos próximos 20 anos – a maioria na África – caso nações desenvolvidas não aumentem esforços para conter a aids.
Em 2008, o Brasil conclui o processo de nacionalização de um teste rápido que permite detectar a presença do HIV no organismo em 15 minutos. Este ano, o primeiro antirretroviral produzido por um laboratório público brasileiro – o Tenofovir – entrou no mercado.
Também em 2011, uma pesquisa dos institutos nacionais de Saúde dos Estados Unidos indica que pacientes que aderem a um esquema eficaz de terapia antirretroviral reduzem em até 96% o risco de transmissão do HIV ao parceiro sexual.
Hoje expectativa de vida de pacientes se aproxima dos não infectados
Trinta anos após a descoberta da aids, a expectativa de vida de pacientes soropositivos que se submetem a tratamento antirretroviral se aproxima da pessoa não infectada pelo HIV, de acordo com a diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Valdiléa Gonçalves Veloso. “No início da epidemia, a gente media a expectativa de vida dessas pessoas em semanas e meses. Hoje, ela é indefinida. Estudos mais recentes mostram uma proximidade com a expectativa de vida da população em geral”, explicou.
A infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) listou alguns avanços registrados nas últimas três décadas no enfrentamento à doença, como o isolamento do HIV em laboratório, a disponibilização do teste-diagnóstico e de exames de carga viral e de contagem de linfócitos, que monitoram a infecção e a multiplicação do vírus no organismo.
Um dos marcos no cenário mundial, segundo ela, foi a implantação da terapia antirretroviral potente, também conhecida como coquetel antiaids. A partir deste momento, a doença passa a ser vista como um problema crônico grave e não mais como uma sentença de morte. Além de uma expectativa de vida maior, a qualidade de vida dos soropositivos também aumentou. “Hoje temos drogas que dão um conforto maior ao paciente. Os comprimidos diminuíram a frequência e a exigência de restrição alimentar também e os remédios têm uma toxidade menor do que no início. São menos efeitos colaterais, o que faz com que o paciente tolere melhor os medicamentos”, ressaltou.
Outra vantagem é que pessoas com aids já podem ser submetidas a várias rodadas de tratamento. Há alguns anos, quando os primeiros medicamentos fracassavam, a expectativa de que uma segunda tentativa funcionasse era pequena. Atualmente, há uma lista de remédios que podem ser prescritos em casos de resistência ao HIV.
Valdiléa lembrou que mesmo diante do enfrentamento, a epidemia de aids já acometeu mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo, além de ter provocado a morte de cerca de 25 milhões. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que entre 30 e 35 milhões de pessoas estão infectadas. “A infecção continua sendo transmitida, mas tivemos resultados de pesquisas muito animadores em relação à prevenção e que demonstram que o uso dos antirretrovirais pode contribuir para a prevenção”, destacou, ao se referir a um estudo com casais sorodiscordantes que indica que o risco de transmissão cai em 96% quando o parceiro soropositivo se submete a um tratamento eficaz.
Para a infectologista, o resultado do estudo atesta que, se a população atualmente infectada pelo HIV tiver acesso ao tratamento, isso poderá representar um impacto considerável no controle da epidemia no futuro. “A ciência vai continuar avançando. Vamos gerar cada vez mais conhecimentos que vão permitir que as pessoas infectadas vivam mais e melhor. Mas tudo o que a ciência gera, no final, depende de uma outra parte, de fatores que não estão associados, de decisões políticas de grandes líderes mundiais que nem sempre optam por tornar o acesso mais igualitário”, concluiu.
2.500 jovens são infectados pelo HIV a cada dia em todo o mundo
Todos os dias, cerca de 2.500 jovens são infectados pelo HIV em todo o mundo, de acordo com um relatório divulgado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids (Unaids) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos internacionais.
A publicação indica que a prevalência do HIV entre jovens caiu pouco e alerta que as adolescentes enfrentam um risco desproporcional de infecção por conta de sua vulnerabilidade biológica, da desigualdade social e da exclusão.
De acordo com o relatório, pessoas com idade entre 15 e 24 anos concentram 41% das novas infecções entre adultos com mais de 15 anos em 2009. Em todo o mundo, cinco milhões de jovens viviam com HIV no mesmo período. A maioria deles vive na África subsaariana, é mulher e não sabe que foi infectada.
A publicação destaca que o início da adolescência é um momento oportuno para frear a epidemia de aids no mundo – já que é o período que antecede o início de uma vida sexual ativa. O documento elogia medidas adotadas em países como a Tanzânia, onde a ideia de homens que buscam relacionamento com meninas muito novas se tornou algo a ser ridicularizado.
Soropositivos relatam o impacto do diagnóstico e falam do futuro
Em 2007, Aparecida dos Santos* perdeu 20 dos 67 quilos que lhe davam forma e curvas, além de grande parte do cabelo comprido que tanto gostava. Após o fim de um casamento de sete anos e com uma filha pequena para cuidar, tinha passado por três relacionamentos – todos sem sucesso. Em meio a uma nova tentativa com o marido, descobriu que era soropositiva. “Nesse período, eu já estava começando a emagrecer, com manchas roxas no corpo e muita gastrite. Achava que era por conta do trabalho, da responsabilidade que eu tinha e do stress. Jamais podia imaginar que aquilo pudesse acontecer comigo”, conta a profissional de saúde, hoje com 45 anos.
Aparecida tinha certeza de que o marido havia passado a doença para ela quando ainda eram casados – já que o relacionamento acabou por causa de outra mulher. Mas o exame feito pelo companheiro não acusou nada em seu organismo. Ele, mesmo assim, decidiu permanecer ao lado da esposa e dar apoio moral durante o tratamento.
Após períodos de internação e uma rotina já estabelecida de medicamentos, a carga viral apontada nos exames é praticamente nula e Aparecida garante que vive em paz com a doença. “A cada dia, mato um leão na minha vida”, relata. O conselho se resume a uma única decisão – o uso do preservativo. “Tem que ter mais cuidado porque o HIV não está escrito na testa de ninguém. A aparência é uma coisa muito superficial”.
Raimundo Lima, 50 anos, sempre fez questão de se proteger durante uma relação sexual – mesmo em um relacionamento que já durava 22 anos. Ainda assim, o aposentado foi infectado pelo companheiro que, inconformado com o diagnóstico da aids, fez um furo em um preservativo e provocou a transmissão. “Descobri porque tive uma neoplasia (câncer) e um coágulo no cérebro que estava afetando a visão. Depois, tive um tumor na perna, um tipo de câncer causado pelo HIV”, explicou. A confirmação da doença veio em 2003. Oito anos depois e seguindo religiosamente a terapia antirretroviral, ele garante que nunca mais foi atingido por nenhuma doença oportunista.
Um dos piores trechos da trajetória de quem é soropositivo, segundo Lima, é ter de lidar com o preconceito. “A aids ainda é uma doença cheia de estigmas. Infelizmente, a sociedade ainda não entende. Vivemos em país cheio de tabus sexuais e as pessoas não querem falar de DST [Doenças Sexualmente Transmissíveis]”.
O conselho do representante da Rede Nacional de Pessoas que Vivem com HIV é o mesmo de Aparecida: o uso do preservativo em qualquer tipo de relacionamento – duradouro ou não. Ele lembra ainda que fazer o teste uma única vez não é razão para abrir mão da camisinha, já que o HIV só é detectado meses após o contágio.
A professora Maria Georgina Machado, 48 anos, convive com o HIV há 11 anos. Em 2000, passou por oito consultórios, ficou meses internada e chegou a entrar em coma antes de ter o diagnóstico confirmado. Dos 58 quilos, sobraram apenas 29.
Oito anos após a morte do marido, ela engatou um novo relacionamento. “A aids não tem cara. Ele era bonito, forte, saudável e me enganou porque já era soropositivo”. Segundo Maria Georgina, o companheiro já usava medicamento antirretroviral, mas arrancava o rótulo dos remédio para que não fossem reconhecidos.
Quando começou a ficar doente, ela foi demitida de uma das escolas onde trabalhava porque a direção acreditava que a professora podia estar grávida. No outro colégio onde dava aula, os rumores eram de que ela estava com tuberculose. Uma pessoa da família chegou a proibi-la de frequentar a rua onde morava por causa da doença.
Atualmente, Maria Georgina é membro da ONG Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. “Se eu não me fortalecesse com esse movimento, acho que já tinha pirado. Hoje em dia sou artesã, mas ainda amo minha profissão de professora”, afirma. A aids registrou um outro capítulo na vida da carioca – em 2005, ela conheceu uma mulher soropositiva em estado grave que lhe entregou seu bebê. A criança, hoje com 5 anos, está saudável e não tem a doença.
*Nome fictício.
Com informações da Agência Brasil